Ministro Joaquim Barbosa
“É um homem frugal, do tipo que prepara seu próprio café da manhã, consome comida natural, bebe suco de clorofila, aprecia um chope com os amigos e escuta MPB. Mas também é um sujeito refinado, aficionado por música clássica, modesto bebedor de vinho, que compra seus ternos elegantes em duas cidades: Paris (o nome da loja? ‘Não, esse eu não conto, não’, ri, com ar matreiro) e Los Angeles (‘A loja é Three-day Suit, tem de ter sorte para chegar em tempo de liquidação.’). Tem uns vinte ternos, e, jura, nenhum custou mais de 300 dólares. Joaquim Barbosa também é um homem descontraído, que gosta de jogar uma pelada com amigos duas vezes por semana, aprecia andar pela Lapa, no Rio de Janeiro, e tem prazer em dançar. Ao mesmo tempo, é formal, não permite muita aproximação nem intimidade. É um magistrado apaixonado por história, um brasileiro que fala alemão e detesta o “jeitinho”, um mineiro que dança forró. ‘O “jeitinho” me irrita. Também me irrita o patrimonialismo, essa doença brasileira de sempre tirar vantagem do que é público.’
"Eleitor de Lula, Joaquim Barbosa trata sua trajetória de vida de maneira mais reservada do que o presidente. Ele não desfralda sua origem pobre de primogênito de oito filhos de pai pedreiro e mãe dona-de-casa como bandeira para valorizar sua trajetória de sucesso ou apresentar-se como pós-graduado em povo – e faz questão de valorizar os estudos."
"Veio de uma família humilde, nunca ficou desabrigado nem passou fome, mas enfrentou dificuldades. Em sua cidade natal, Paracatu, no interior de Minas, ficou um ano sem estudar quando era criança porque a diretora da escola, em um devaneio típico dos que se sentem donos da coisa pública, resolveu cobrar mensalidade. A família Barbosa não tinha dinheiro, e Joaquim, o “Joca”, ficou fora da escola. ‘Foi um trauma’, relembra. Desmistificador, diz que nunca comeu o pão que o diabo amassou para chegar aonde está e que tudo o que fez foi estudar. ‘Isso eu fiz. Estudei, estudei muito.’
"Fez direito e pós-graduação em Brasília, virou doutor pela Sorbonne, em Paris, e foi professor visitante nas faculdades de direito da Columbia, em Nova York, e da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Tem dois livros publicados, um em francês, justamente sobre o STF brasileiro, e outro em português, sobre a experiência americana com as ações afirmativas para negros.
Joaquim Barbosa não é militante da negritude. ‘Tenho consciência racial, mas não faço disso uma causa’, diz, com certa indiferença."
"Antes de chegar ao STF, preocupava-se mais com a questão racial, como mostra o livro que escreveu sobre igualdade racial, mas o trabalho no tribunal o afastou do assunto. Seu tempo ficou cada vez mais curto. O último livro que leu? Uma comédia escrita em alemão sobre o fim da Cortina de Ferro, de autoria de Wladimir Kaminer, jovem escritor russo radicado em Berlim. Ele gosta do assunto."
"Quando o Muro de Berlim ruiu, estava em Paris. ‘Quase caí da cama. Lembro até hoje das imagens, o pessoal bebendo champanhe na garrafa e gritando “Wahnsinn, Wahnsinn”, que significa “loucura, loucura” ’, diz ele, levantando os braços no ar e imitando o deslumbramento dos alemães daqueles dias eufóricos. Seu último filme? Um Lugar na Platéia, simpática comédia francesa. Gostou muito, sobretudo porque o elenco traz duas atrizes de sua admiração: Valérie Lemercier e Cécile De France."
(...) "Um dado que subverteu sua rotina depois que chegou ao Supremo é a dor nas costas. ‘Adquiri aqui, por causa das poltronas do plenário’, acredita. Tem almofadas especiais na poltrona do plenário, na cadeira do gabinete e no banco do carro. Faz de tudo: massagem, quiropraxia, acupuntura e pilates. ‘Vou curar isso’, promete a si mesmo. Por causa da dor nas costas, prefere conversar em pé a sentar. (...) No gabinete, tem uma espécie de púlpito, sobre o qual coloca os livros e papéis para ler e despachar em pé. Por causa desses incômodos e dificuldades, ele vive reclamando da vida?"
"Que nada. Joaquim Barbosa adora viajar, sobretudo aos países cuja língua conhece. É fluente em francês, inglês e alemão, nessa ordem. Já esteve duas vezes na África do Sul, ambas para dar palestras, e uma vez no Senegal, a turismo. O que achou do Senegal? ‘O problema social é gritante, a miséria é…’, diz ele, deixando as reticências como convite à imaginação. Mas ele gosta mesmo é do Hemisfério Norte."
"Gosta de Montmartre, o charmoso bairro parisiense onde já morou e de cuja basílica se tem uma deslumbrante vista da capital francesa. Já morou também em Nova York, cuja ‘exuberância cultural’ adora, ainda que deteste o frio do inverno, e em Los Angeles – que, ao contrário da opinião de respeitável maioria, achou uma ‘cidade interessante’, embora não rivalize com São Francisco, sua preferida nas terras de Tio Sam."
"Estava em Los Angeles em fevereiro de 2003, quando recebeu um e-mail de um tal de Sérgio Sérvulo, então assessor do Ministério da Justiça, informando que o ministro Márcio Thomaz Bastos gostaria de conhecê-lo. Avisou seu filho, hoje com 22 anos e estudante de jornalismo no Rio de Janeiro, que precisaria ir a Brasília. Foi, e nunca mais voltou, a não ser para recolher seus pertences e vender o carro californiano. Tomou posse como ministro do STF em junho de 2003.”
(...) “Aposentando-se aos 70 anos, como manda a lei, Joaquim Barbosa ficará no tribunal até 2025 – mas ele dá sinais de que talvez os apelos da vida o arranquem dali antes disso. ‘Com certeza, fico até chegar a minha vez de ser presidente.’ Pelo rodízio do tribunal, sua oportunidade chegará dentro de pouco mais de cinco anos” (nota da editora do blog: três agora). “Até lá, haverá um ministro Joaquim Barbosa, encarregado do processo do mensalão” e de lutar pela dignidade do STF, como fez agora confrontando-se com o Ministro Gilmar Mendes. “Depois, sabe-se lá. ‘Gosto da vida’, diz ele. E, bem ao seu estilo globalizado, percorre mentalmente seus bairros preferidos em Paris, Berlim e Rio, e completa: ‘Gosto do Marais, gosto de Prenzlauerberg, gosto da Lapa’.
O Brasil “jamais teve um ministro como Joaquim Barbosa.”
Fonte: Revista Veja – 1º de setembro de 2007
foto sem crédito
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